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quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

CONVERSA COM AS ÁGUAS



Na verdade, eu ia conversar com a estátua que fica no meio da praça, alta e solene, toda cercada de símbolos. Àquela hora da tarde as crianças voltavam das escolas próximas; crianças do curso primário e do secundário: cachos negros, tranças louras, uma grande festa de risos vermelhos e róseos, beirando os gramados e subindo musicalmente para as nuvens, entre as montanhas e o mar.

Certamente, a estátua teria coisas interessantes a dizer-me, sempre ali parada, vendo deslizar todos os dias à mesma hora tanta criatura engraçada cheia de ciência nos livros e de alegria no rosto – pois eu, só meia hora num banco, já sentia um tumulto imenso de idéias dentro de mim. E isto sem falar que os olhos das estátuas são olhos eternos, e vêem, com seu olhar imóvel, todas as coisas que se agitam na nossa mobilidade triste de prisioneiros da vida misteriosa.

A minha dificuldade na conversa decorreu simplesmente da diferença de nível: a estátua se alcandorava num pedestal majestoso, e eu, bicho humilde e mortal, apenas avultava entre as folhas e as flores. Minha voz, esta que uso todos os dias sem alto-falante, não poderia chegar tão longe. E, além disso, as estátuas têm ouvidos de bronze.

Mas, quando se tem vontade de conversar, qualquer interlocutor pode servir. E, quando abaixei meus olhos melancólicos, encontrei as águas, que são o contrário das estátuas, por fluidas e transparentes, e cuja eternidade não é a do estacionamento, mas a da sucessão. As águas são mais falantes que as estátuas: estão sempre murmurando, cantando,sorrindo,chorando. E, se não observam durante muito tempo – por sua natureza andarilha-, observam muitas coisas, porque atravessam o mundo das nuvens à terra e de um a outro oceano. E com as águas comecei a falar ...”

(Cecília Meireles.Coleção Melhores Crônicas – Editora Global, pg.110 )

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